(...) E qualquer debate sério sobre as alternativas à austeridade acaba numa pergunta incómoda: se a situação se continuar a agravar na Europa - em Espanha e Itália, para começar - deve Portugal sair do euro? Claro que a melhor solução passa por uma alteração de rumo na Europa. Mas se tudo ficar na mesma? Como poderemos forçar uma renegociação da dívida, no quadro atual, se a saída do euro for um tabu?
É que uma renegociação imposta pelo credor, que inevitavelmente
acontecerá, é, no seu conteúdo e nas suas consequências, exatamente o
oposto a uma renegociação imposta pelo devedor. E a única forma de impor
uma renegociação contra a vontade do credor é pondo a possibilidade
credível de entrar em ruptura. O que pode implicar a saída do euro.
É natural que todos os partidos da oposição ponham
de lado a saída do euro. As suas repercussões imediatas seriam muito
difíceis: aumento da inflação com perdas nas poupanças e nos salários; aumento do desemprego; fuga de capitais; crise bancária. Vale a pena, apesar de tudo, mostrar o reverso da moeda: a saída do euro permitiria, a médio prazo, aumentar bastante as nossas exportações e o turismo e substituir muitas importações por consumo de produtos nacionais, com efeitos profundos na balança comercial e na economia interna.
Pude observar os efeitos negativos e positivos da desvalorização brutal da coroa, na Islândia, (ver, amanhã, reportagem na Revista do "Expresso"): perda de poupanças, inflação galopante, aumento das dívidas das famílias
(se bem que, nesta matéria, a coisa é um pouco diferente do que aqui
seria, já que estavam indexadas ou a moedas estrangeiras ou à inflação),
mas também uma explosão do turismo, um aumento considerável das exportações e uma redução da importações, o que estão a ajudar o país a recuperar economicamente.
Por fim, a saída do euro só poderia corresponder a uma
renegociação muitíssimo profunda da dívida externa, pública e privada, o
que atenuaria de forma considerável a necessidade de acesso aos
mercados da dívida a curto e médio prazo. É bom recordar que nos estamos endividar para pagar juros, e não apenas para pagar as nossas despesas.
Nenhum político que se oponha à austeridade quer
propor, como alternativa, uma austeridade ainda mais violenta. Só que eu
não sou político. E posso defender que, enquanto a austeridade no
quadro do euro não cria um único factor que nos permita sair da crise,
uma saída do euro poderia fazê-lo.
A estratégia de endividamento sucessivo, sem uma
renegociação da dívida que nos seja realmente favorável, associada a
uma austeridade sem soberania monetária, terá, a médio e longo prazo, o mesmo efeito catastrófico da saída do euro:
desvalorização salarial, desemprego, crise económica, perda de
poupanças e impossibilidade de recorrer aos mercados por muito tempo.
Com a diferença de que, agravando as nossas condições de competitividade e destruindo o mercado interno, não apresenta qualquer saída de futuro. A diferença entre uma interminável austeridade tutelada e a saída do euro é a diferença entre a queda num poço sem fundo e a passagem por um túnel escuro. Só há negociação com um poder europeu hostil se houver disponibilidade de Portugal para sair por vontade própria do euro.(...)
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